Rafael Masini
Na 1a série do Ensino Médio, realiza-se um projeto chamado Gracinha em Cena. Nele os(as) alunos(as) têm a oportunidade de escrever, dirigir e performar uma cena teatral. Os roteiros, de autoria dos(as) próprios(as) estudantes, são elaborados no laboratório de redação. Antes dos ensaios, realizam-se aulas preparatórias de noção de direção, interpretação, luz e sonoplastia.
Uma dessas aulas foi dirigida por Luzia Alonso (aluna da 3a série do Ensino Médio), acompanhada por Cecília Azevedo e Laura Braga (ex-alunas). Com base em Dialética, de Vinicius de Moraes, e em outros exercícios cênicos, elas incentivaram tanto a criação quanto a percepção de diversos caminhos dentro do universo da direção que os(as) alunos(as) criaram, demonstrando como o uso de diversos recursos possibilita a caracterização de suas narrativas.
Luzia Alonso, 17 anos, relata:
“Quando o Rafael (professor de teatro) me convidou para dar a aula me lembrei de quando entrei pela primeira vez na aula de teatro vi vários pés descalços. Descobri depois que de verdade eram pés que se dobravam em si, alguns pálidos, outros tomados por finas linhas vermelhas. Aceitam que ao retirar o calçado deixam-se as faixas, os calos, para entrar ao palco sob a fugaz luz da verdade, que pode ser criada no mundo da mentira, mas ao mesmo tempo ser a mais pura forma de exposição, denúncia e fragilidade, tomada pela força.
“Entrei no teatro no 9o ano, junto a um grupo diverso de alunos do Ensino Médio, com diferentes marcas, vivências e percepções, mas com a mesma busca pelo retrato de suas angústias, prazeres, lutas e vulnerabilidades como indivíduos e parte da sociedade. Aprendi junto a eles que o teatro é a antítese da conivência, e que todo ato é político. Entendi as contradições que compõem toda cena e perdoei, a cada despedida, a inevitável sensação de que o permanente é efêmero.
“A aula, apesar de ter apenas um pouco mais de uma hora, relembra-me todas essas características pelas quais o teatro move, e que me cativaram. Os alunos partem da própria criação e a aprimoram com elementos cênicos que as aulas desenvolvem: o uso do palco, o engenho na luz quente e o conhecimento corporal, trabalhando no plano baixo, médio e alto, que trazem maior profundidade e auxiliam a conectar ainda mais com a própria narrativa que criaram.
“Tive a oportunidade de ser a primeira série a trabalhar com o projeto, em 2017. Todos estavam muito ansiosos por não terem feito nenhum trabalho similar ou por ter de se expor. Quando tivemos a aula, lembro-me de me emocionar, não só por ver minhas colegas do teatro, mas por ver como simples mudanças no trato com o texto possibilitam novos mundos: uma mudança de gesto, um aperto ou o enrijecer de um personagem nos leva desde o carinho de um perdão até a despedida brusca.
“Dois anos depois, na quinta-feira, 16 de maio, subi ao palco mais velha, tendo passado pelas apresentações e sobre o proscênio senti a mesma emoção de escutar as palavras de Vinicius de Moraes, de um dos textos mais universais. Mas senti, principalmente, emoção por estar em diálogo com alunos que passavam pelas mesmas transformações que passei. E dessa vez abracei a sensação de efemeridade, e o aconchego de saber que eles também passariam a costurar as próprias linhas, encontrariam seus personagens e que a aula para viajar o mundo realmente o tinha feito”.
Luzia Alonso é aluna do grupo de teatro do Gracinha e do núcleo de aprofundamento. Participou do Gracinha em Cena em 2017 como aluna e este ano sobe ao palco para ajudar os(as) alunos(as) que estão no projeto.
Com dedicação, generosidade e competência assustadoras, Luzia escreve no auditório do Gracinha mais uma bela história de amor pela educação e pela arte.