São várias as temáticas dentro de um universo escolar que nos convocam a refletir, fazer perguntas, duvidar e, invariavelmente, discordar. Por vezes, as questões se acomodam por algum tempo, dando-nos referências, para posteriormente ressurgirem com novas inquietações, e sugerindo a necessidade de reconstrução ou reafirmação desses parâmetros. Isso acontece porque os costumes são vivos e se transformam, os grupos de profissionais, famílias e alunos mudam, e novos conflitos nos convocam a repensar as mesmas questões a partir de outras perspectivas. Assim, sendo o Gracinha uma escola que tem no cerne de seu projeto a reflexão e o debate, propomos trazer à comunidade escolar, neste espaço, algumas problematizações. Esta é a primeira delas: com que roupa eu vou?
Com que roupa eu vou?
A questão da vestimenta e a escolha por adotar, ou não adotar, um uniforme padronizado é debatida por diversas escolas, especialmente no EF II e EM.
Mas, por que será que uma escola opta por não usar uniforme? Certamente, seria mais fácil estipular uniformes a todos e não ter que lidar com tantas questões que a escolha individual da vestimenta na escola traz. Contudo, nem sempre o caminho mais fácil é o mais educativo.
A maneira como escolhemos nos vestir reflete, entre outras coisas, a busca por identidade, por pertencimento e autoestima. É a forma como escolhemos nos apresentar para o outro e para a sociedade, um dizer sobre si sem palavras, colocado no mundo para quem quiser ver.
Sexys, emos, nerds, hipsters, funkeiros, descolados, surfistas, roqueiros, punks, retrôs, cools, geeks…
Você se lembra onde se encaixava no auge da sua adolescência? Lembra-se da angústia de acordar de manhã e escolher uma roupa? Lembra-se de alisar ou encaracolar os cabelos, cortar a camiseta, encurtar a saia, escolher chinelos para o frio e botas para o calor? Lembra-se de querer dizer algo, protestar, ir contra ou a favor? Lembra-se de ter uma “tribo”? Das meninas que se vestiam iguais? De passar de surfista para roqueiro em um ano? De olhar alguém e pensar: “quero ser assim”?
Quando optamos por permitir que o jovem escolha sua roupa, queremos mostrar que nesse espaço ele pode se expressar. Pode dizer ao mundo e a si quais são suas ideias, seus planos, suas crenças, seus ideais de beleza, suas vontades futuras. Pode reconhecer-se e desconhecer-se nos pares tantas vezes… Pode ser compreendido como alguém em fase de ebulição, rígido e volátil na mesma proporção.
“Essa blusa é decotada demais”, “Com esse shorts consigo ver sua cueca”, “Para que rasgar uma camiseta novinha?”, “Isso é indecente” e, principalmente: “Você não sabe que essa roupa é inadequada para ir à escola?”.
De quem é a responsabilidade sobre a adequação da vestimenta dos adolescentes na escola? É do aluno? Da família? Da escola?
Qual família, em algum momento, não se perguntou se aquela roupa escolhida era um “pouco demais”? Será que interferir seria necessariamente invadir o espaço de privacidade? Ou é um dever das famílias mostrar ao jovem o que é considerado inadequado para a escola?
Esse é, de fato, um dilema; para as famílias, para escola e para os próprios alunos.
Quando adolescentes, vamos descobrindo aos poucos a potência e a influência que nossos corpos podem ter no outro e na sociedade. Começamos a perceber que a forma com a qual escolhemos – consciente ou inconscientemente – nos vestir e nos colocar no mundo pode atrair ou repulsar olhares, pode nos destacar, colocar em evidência, passar uma mensagem de protesto, de abertura ou fechamento, inclusão ou isolamento. E assim, deslumbrados com esse novo poder, com esse corpo tão diferente daquele que nos abrigou quando meninos ou meninas, nem sempre é fácil perceber consequências dessas escolhas.
Selfies, nudes, roupas que mostram mais do que escondem… Na era da tecnologia, das relações virtuais e líquidas, da tendência à efemeridade das vivências, das dificuldades na convivência e na tolerância à diversidade, as informações se espalham, invadem as redes, torna-se confuso o que é público e o que é privado. Cabe a nós, como educadores da escola ou de casa, auxiliar nossos jovens na reflexão sobre as relações com o corpo e a distinção entre o que se espera em diferentes espaços sociais; ajudando-os a compreender que esta reflexão não é uma forma de puni-los ou restringi-los em suas individualidades, mas sim uma oportunidade para que se tornem sujeitos críticos, responsáveis e conscientes.
Esse caminho, mais complexo e conflituoso, é também mais enriquecedor. Nele, nós – educadores, famílias e jovens – trabalhamos juntos.
Equipe Técnica do Gracinha
1983
2018