São muitos os desafios das aulas de Teatro no formato on-line. E, se o ano de 2020 já foi uma reinvenção, conseguir, em 2021, manter os(as) alunos(as) envolvidos(as) e encantados(as) pela Arte é algo que nos instiga ainda mais a reformular os espaços já conhecidos.
Meu nome é Rafael Masini e, desde 2007, sou professor de Teatro no Gracinha. Ao longo desses anos, diversos(as) alunos(as) passaram pelo grupo de Teatro e alguns(mas) deles(as) optaram por seguir no caminho das artes cênicas. E foi justamente diante dos desafios impostos pela pandemia, que tive a ideia de realizar o sonho de trazer alguns(mas) desses(as) alunos(as), que se apaixonaram pelo Teatro no Gracinha e fizeram disso sua profissão, para dirigir, cada um(a) deles(as), um grupo de 7 alunos(as) ao longo de um mês.
Usando como disparador as obras do pintor Edward Hopper, os(as) ex-alunos(as) na função de diretores(as) tiveram reuniões comigo para compartilhar suas ideias, propostas e traçar um planejamento para cada um dos encontros posteriores. Ao final de um mês, as apresentações foram surpreendentes, tanto na qualidade das propostas realizadas como nas atuações dos(as) alunos(as).
Marina Meyer, Paula Halker e Pedro Henrique Meirelles: assistir vocês conduzindo os(as) atuais alunos(as) do Teatro do Gracinha, com tamanha competência e carinho, é de aplaudir em pé!
A seguir, vocês conferem os relatos íntimos dos(as) participantes dessa experiência tão única.
“Base 1″ é um exercício individual que fazemos todos os anos no grupo de Teatro do Gracinha, logo nos primeiros meses. Nós, alunos, devemos criar e apresentar cenas curtas e originais a partir de um disparador trazido pelo professor, que pode ser uma música, um poema, imagens, alguma obra de arte. É um exercício bastante desafiador e “temido”, mas que, ao mesmo tempo, traz aprendizado e crescimento. Neste novo contexto remoto, o exercício foi adaptado: nós fomos divididos em três elencos, que foram guiados por ex-alunos do Gracinha, formados em Artes Cênicas e, hoje, atores. Houve, então, uma troca de gerações, de identidade, de ambientes teatrais e de “novos nós” por quatro semanas. Durante esse processo, deixamos que as trocas coletivas guiassem nossos corpos e atos em cena. O resultado foi o encontro nas telas por outra perspectiva, com a força coletiva e a beleza da arte que tem nos salvado ultimamente.”
Felipe Barreiros, 3º ano do Ensino Médio.
“Quando estava no Gracinha, tive grandes dúvidas sobre o que iria fazer depois da escola, acredito que meus colegas também. Tinha opções e ideias, mas nenhuma parecia ter uma inteireza dentro de mim, até o momento em que resolvi fazer teatro. Parecia um suspiro entalado que saía, e, então, percebi cada vez mais, nos meus dias escolares, como o teatro caminhava sempre ao meu lado. Aprendi história, literatura, política, filosofia fazendo teatro. Os professores do Gracinha sempre tiveram a sensibilidade de propor e buscar aprendizados em diversos lugares, comprometidos com uma pedagogia impulsionadora. O teatro dentro da escola foi uma trajetória de seriedade que transformou adolescentes no colegial em uma trupe teatral completa, fui entender isso só depois, mas a vontade que estava ali desde o Rouxinol e a rosa, até Anne Frank e Romeu e Julieta, foi e é, até hoje, o meu encantamento com a arte. Estar na faculdade me ensinou muito, mas entrei com o sentimento de que a escola tinha me preparado para aquele momento. É um grande privilégio ter o espaço criativo que o Gracinha disponibiliza.”
Marina Meyer, Artes Cênicas/USP.
“Durante a faculdade de teatro, era obrigatório um tempo de estágio em algo relacionado à área. Não tive dúvidas. Precisava voltar para o Gracinha, e, felizmente, o Rafa me aceitou como estagiário. Foram 2 anos de, no mínimo, duas aulas semanais, de 3 horas cada. Sem contar os ensaios extras, que podiam acontecer a qualquer momento da semana, os convites para apresentações em diversos lugares e os dias de ensaio geral antes da apresentação de final de ano de cada grupo. Em 2016, encontrei estudantes dispostos a se jogar no teatro, e me senti completo por poder ensinar, tanto o que havia aprendido com o Rafa anos antes como o que estava aprendendo na faculdade. Foram dois anos de encontros intensos, em que todos os alunos tinham repertório o suficiente para criar o que fosse pedido a eles. E foi isso o que, novamente, me surpreendeu quando voltei ao Teatro do Gracinha, em 2021, para o Exercício Base 1, a facilidade que o grupo tem de criar. Encontrei pessoas fortes que, depois de mais de um ano de completo caos, conseguem criar como se fosse a coisa mais fácil que existe. Porque pra eles é. Estar perto de estudantes do Gracinha é sempre revigorante e encorajador.”
Pedro Henrique Meirelles, Escola Superior de Artes Célia Helena.
“Depois de formada no Gracinha, acho que o mais legal em retornar foi perceber o choque entre o que eu era e o que eu sou hoje. Um misto entre tudo de novo que aconteceu depois de 5 anos, com um certo sentido de origem. Me olhei no terceiro colegial, lembrei dos amigos, da minha rotina, lembrei também porque tomei a decisão de fazer teatro. Isso me trouxe para os meus dias atuais, recém-formada, com uma sensação esquisita de reconhecer o quanto eu mudei, o quanto eu cresci, aprendi, mudei e experienciei coisas novas. Me senti feliz.
Fui muito bem recebida pelos alunos, super disponíveis e acolhedores. Achei todos eles incríveis, e pensei que se eu fosse professora, eu seria daquelas que amam os alunos. Olhei pra mim do passado, pra mim do futuro, me perguntei se gosto de dar aulas, e me respondi que sim. Misturei olhar de direção com atuação, com memória, passado e me senti questionada mais uma vez pelo Gracinha, sobre meu caminho, sempre servindo como um porto seguro que me instiga ao futuro.
É intrigante esse olhar de fora, do retorno. Espero que um dia, se algum deles se sentir instigado pelo caminho do teatro, que tenha a oportunidade de voltar, assim como eu, e rever os passos que deu, se conectando cada vez mais com o próprio caminho.”
Paula Halker, Artes Cênicas/USP.
“Rafa, hoje eu senti que voltei no tempo. No meu primeiro Exercício Base 1, descobri que gostava de ser diretora; o segundo me levou pra lugares inesperados, inclusive pra USP; e foi no terceiro que decidi que queria estudar Artes Cênicas. Achei que ia sofrer muito quando chegasse minha vez de assistir o grupo do Teatro do Gracinha. Mas é muito gostoso finalmente estar na plateia. Finalmente entender os elogios e assistir a um teatro que é muito mais que um teatro de escola. E que me fez sentir na coxia e na plateia mesmo on-line! E tudo isso em 3 horas de ensaio!! A gente só vê a ilha quando sai dela.”
Lena Giuliano, ex-aluna do Gracinha 2020, 1º ano de Artes Cênicas/USP.
Além dos(as) três ex-alunos(as) chamados(as) para a condução deste exercício, minha alegria se fez ainda maior pela presença, na plateia virtual, do grupo de ex-alunas formadas em 2020, além de todos(as) os(as) outros(as) convidados(as). Seguimos firmes com o grupo de teatro!
Rafael Masini
18 de abril de 2021