Ode às noites felizes de quarta-feira
Posso dizer que pelo menos uma vez por semana, nas quartas à noite, tive o privilégio de fazer o que amo mesmo trancada em casa: teatro. As aulas online de teatro, que foram as primeiras a serem adaptadas ao novo formato, permitiram que um grupo de quase 30 alunos de diferentes anos tivesse um escape sem sair do próprio quarto e trocasse experiências mesmo em tempos que não parecem trazer nenhuma novidade.
Posso dizer que pelo menos uma vez por semana, nas quartas à noite, tive o privilégio de fazer o que amo mesmo trancada em casa: teatro. As aulas online de teatro
Na última semana, a aula foi mais especial que as outras. Nós nos dividimos em três grupos – 9º ano com 1ª série do Ensino Médio, 2ª série e 3ª série – e cada um teve que realizar uma homenagem a outro grupo. Para além das clássicas apresentações de PowerPoint, com as mesmas músicas de fim de ano, apresentamos poemas e músicas autorais; vídeos de amigos, namorados, professoras e familiares cantando, dançando, contando histórias e demonstrando saudades; trechos de filmes e livros; meditações guiadas; playlists personalizadas; enfim, carinho em forma de arte.
“Durante o processo de pesquisa sobre as experiências, gostos, reflexões, talentos de cada pessoa, foi muito interessante conhecê-las, muito mais eu que não era muito próximo”, disse João Farina, aluno do 9º ano. “Aquelas informações aproximavam elas de mim e acho que foi uma parte muito importante do trabalho. Por cada pessoa ser muito única, cada uma tinha que ter sua própria abordagem, que acabou enriquecendo muito a diversidade de recursos que precisávamos usar, vídeos, fotos, textos e até mesmo eventos que marcaram aquela pessoa. Usamos diversos recursos cênicos para reconstituir sentimentos ou experiências”.
A 3º série foi o primeiro grupo a se apresentar. Como homenageamos o 9º e a 1ª série, eu me senti como se estivesse olhando para a menina que eu era quatro anos atrás, dizendo: “isso é o que você vai viver a partir de agora. Legal, né?”. Ana Luiza Weigt, também aluna da 3ª série, pensa que “o exercício do olhar afetivo foi muito importante e extremamente significativo. As homenagens feitas foram, na minha visão, muito sensíveis e tocantes. Senti que a conexão com as pessoas que eu via toda semana nas aulas de teatro foi fortalecida e pude conhecer melhor a essência de cada um(a) e ao mesmo tempo nos perceber como grupo. […] pude passar um pouco da minha experiência no Ensino Médio logo antes de me formar para quem ainda tem um, dois ou até três anos para viver o colegial”.
Chegou a vez da segunda apresentação, que iria homenagear a 2ª série. Elis Suzuki, aluna da 1ª série, fez parte desse grupo e disse: “eu entrei no teatro este ano e acho que são por experiências como a que tivemos na última aula que me fazem adorar passar minhas quartas à noite na frente de um computador. Até essa proposta acho que não tinha me envolvido tanto com as atividades do teatro”.
“Quando apresentamos toda essa coletânea de experiências, de sentimentos, de vidas, eu vi aquelas informações muitas vezes insignificantes para mim terem algum sentido para alguém. Isso foi muito bonito de ver, era como se alguém estivesse lendo uma parte de você. Acho que com certeza essa foi a parte mais bonita dessa aula, de ver aquelas cenas emocionado outras pessoas. No final, esse exercício foi muito bom para unir o grupo, muito mais em um momento tão difícil de manter contato”, completou João, que era do mesmo grupo de Elis.
Por fim, o último grupo foi o da 2ª série, que teve a difícil missão de homenagear a 3ª, que já se despediu de tanta coisa este ano. “O que eu observei durante as apresentações e achei muito especial foi o olhar de cada um do grupo para aqueles que estavam homenageando. Todos se mostraram muito atenciosos e observadores dos colegas. Me surpreendi e fiquei muito emocionada ao perceber o quanto a gente se importa e tem um carinho pelos outros, a ponto de mesmo não sendo tão próximos notarmos características únicas de cada um, e a partir delas criar algo muito pessoal e particular. O exercício como um todo comprovou a importância e a contribuição de cada um no grupo de teatro”, disse a aluna Anna Filizola, da 2ª série.
Antônia Moraes, do mesmo grupo que Anna, acrescentou: “Acredito que esse momento foi muito importante, não só para elas, mas para todos as pessoas que estavam lá, o empenho gerado por cada um trouxe uma esperança nesse momento, algo que, pelo menos pra mim, era preciso. O exercício em geral foi muito emocionante e creio que não esperávamos ficar tão tocados com as homenagens”.
O exercício da última quarta conseguiu me trazer de volta um sentimento muito querido que é o de fim de peça. Em todos os grupos, temos a mesma espécie de ritual implícito que é o de sair do palco após os aplausos e ir correndo pelo pátio xadrez, do lado do auditório, e nos abraçar, aliviados e realizados, trocando sorrisos e “parabéns”. Nesses cinco minutos, tenho a sensação de que somos amigos de toda a vida, de que conheço os amigos e familiares de todos que me vierem parabenizar pela peça; nesses cinco minutos, consigo entender o porquê de tanta dedicação em cima do palco.
Esse foi o sentimento que tive na última quarta-feira. A cortina se fechando, a luz se apagando enquanto se ouvem os últimos acordes do violão e aperto a mão da pessoa ao meu lado. “Conseguimos”. Em mais um dia em casa, olhando para as mesmas paredes do meu quarto, tive o privilégio de sentir vida em mim de novo em um dos meus lugares preferidos, que é o teatro. E, mais uma vez, comprovei o que já havia aprendido há muito tempo: teatro é amor entre estranhos.
– Lena Giuliano, aluna da 3ª série do Ensino Médio