Juliana Davini
Maurício Moura
Simone Burse
Psicólogas(os) escolares do Setor de Apoio à Aprendizagem do Gracinha
Abril, 2020
O homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.
Lua humanizada: tão igual à terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro – diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus.
O homem põe o pé em vênus,
Vê o visto – é isto?
Idem
Idem
Idem.
O homem funde a cuca se não for a júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira terra-a-terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
Do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.
Drummond de Andrade, Carlos. “O Homem; As viagens”. In: ______. As impurezas do branco. São Paulo: José Olympio, 1973.
Estariam os poetas à frente de seu tempo?
Teriam eles um jeito de encadear as palavras que as tornam perenes?
Com Drummond, podemos nos expor às palavras do poema e pensar…
Que viagem é essa que fazemos agora, com toda a humanidade em conjunto?
Que vírus mutante é esse que desafia a ciência, a tecnologia e a experiência humana em todos os cantos da Terra?
Quem é esse inimigo invisível que conseguiu parar o tempo do Homem?
E enclausurar o Homem?
Que criatura mais poderosa é essa que, apesar dos efeitos deletérios da fantasia de perseguição e morte, conseguiu reencaminhar os filhos aos pais e os pais aos filhos – novos marcos para os relacionamentos atuais?
Que sombra é essa que colocou o Homem diante de seu desejo e o suspendeu?
Que palhaço é esse que convidou o Homem a se recriar, enquanto espera por aberturas da liberdade…?
Da conquista ao tédio, ao consumo desenfreado, à hipervalorização da imagem e à perda de si mesmo…
Estaríamos nós diante de uma nova possibilidade, inusitada desde os tempos mais remotos, de desacelerar o mundo e repensar nosso modo de vida na Terra?
Estaremos equipando-nos – com esse recolhimento – para fazer a dangerosíssima viagem de si a si mesmo?
Enfrentando o mergulho de descobrir as inexploradas entranhas e buscando um novo modo de viver e conviver?
Homem “bicho da terra tão pequeno” convidado a ficar em família e aprender de novo a estar junto – sem consumir a não ser o básico – em estado de humilde sobrevivência, compartilhando a rotina da casa e enfrentando o medo e a incerteza.
Ultrapassado o momento de proteger a si e aos seus, ter tempo para pensar nos outros…
De “conquistador entediado” a “frágil e ameaçado”, vai o Homem descobrir em seu coração, a força coletiva, como disse um garotinho italiano, nestes tempos de recolhimento: “neinostricuori, siamoforti” (em nossos corações, somos fortes).
As palavras sempre nos ajudam a encontrar força. Neste momento de isolamento físico, fica evidente o seu protagonismo na manutenção dos afetos. Se a força é coletiva e está no coração, é nessa “viagem de si a si mesmo” que se faz necessário recordar tudo aquilo que dá sentido à vida. Aliás, recordar, que tem uma bonita origem no termo re-cordis: do latim, voltar a passar pelo coração. O perspicaz menino italiano sabe (sem saber) que a força está nos afetos e que são eles que marcam nossas memórias do passado, nossas ações no presente e nossos ideais de futuro.
Afeto, sentido, memória… Quantas palavras cabem num coração? O fato é que a direção que ele nos aponta, mesmo em isolamento, é a de buscar mil maneiras de continuar fazendo o nosso trabalho, acompanhando nossos(as) alunos(as) e tentando fazer com que todos(as) caibam nesse novo jeito de fazer escola. Afinal, quantos(as) alunos(as) caberiam em um só modo de educar? Certamente menos do que palavras em um coração. Estamos conseguindo ajudá-los(as)? Esperamos que sim. O que podemos dizer com segurança é que a memória e o afeto com nossos(as) alunos(as), e a crença nas aprendizagens, é que têm nos ajudado a seguir essa solitária rotina, a nos manter na atividade, a tecer um sentido coletivo para uma experiência tão individual.
O tempo agora é de concordar. Não no sentido da homogeneidade de opinião e pensamento, mas de estar com os corações juntos (con-cordis), lado a lado, na solidariedade que, às vezes, a presença física e a indiferença cotidiana levam ao esquecimento. Que o momento sirva para nos recordarmos de nós mesmos, de nossos valores como coletividade humana, como comunidade Gracinha, e do que realmente importa.