Este texto é um agradecimento ao teatro do Gracinha e a todas as pessoas que por ele passaram, ao meu lado e antes de mim.
Meu nome é Cecília Azevedo e me formei em 2018 no Ensino Médio. Como a maioria dos recém-formados, me dediquei aos vestibulares durante a terceira série. Já havia decidido que gostaria de cursar Artes Cênicas, resultado do amor imensurável desenvolvido ao fazer teatro na escola. Contudo, não escrevo este texto para falar apenas sobre a influência do teatro na minha escolha, mas de como as aulas das quais participei foram um elemento-chave para o meu ingresso na faculdade.
Em janeiro deste ano, recebi a notícia de que fui aprovada no vestibular da USP. Uma das principais etapas do processo seletivo é a prova de habilidades específicas, em que tirei a nota máxima. Tenho em mente, entretanto, que esse resultado poderia ter sido bastante diferente se não fossem meus aprendizados nos grupos de teatro Núcleo de Aprofundamento Vicky Bastos (NAVIB) e Rachel Guevara. Escrevo para compartilhar como essas oportunidades me auxiliaram na realização da prova de habilidades específicas da USP.
No processo seletivo, são analisados diferentes fatores importantes para a formação do que chamam de “performer”, muitos dos quais eu havia trabalhado no teatro do Ensino Médio. Um exemplo é o da percepção corporal, avaliado em situações diversas durante a prova prática. Eu poderia listar inúmeros exercícios que realizamos em aula com essa finalidade: alongamentos, jogos, incentivos ao tato e à consciência de postura. Todavia, as dinâmicas que mais me marcaram estavam relacionadas à montagem de personagens. Aprendi na escola que é preciso um preparo corporal diferente para interpretar cada personagem. Tive a oportunidade de exercitar a andar como um gato, a ter postura de um velho, a mudar corporalmente de cule para comerciante e a criar figuras imaginárias. Passo a passo, o teatro do Gracinha me ensinou a não ver mais meu corpo como um limite e, sim, como um instrumento artístico.
Outro aspecto que faz bastante diferença durante a avaliação é o conhecimento da dramaturgia, de termos teatrais e de alguns detalhes essenciais para o desempenho cênico, como a projeção da voz. Lembro-me de aprender muito com as práticas no teatro, sendo em pequenas atividades ou na montagem de peças. Montamos no ano passado, por exemplo, A exceção e regra, de Bertolt Brecht, um dos maiores nomes das Artes Cênicas, e entramos em contato com o estilo do dramaturgo. O preparo que tivemos com o roteiro foi essencial na redação que compunha a nota das habilidades específicas. Em meu texto, pude citar Brecht com segurança, relacionando-o com as leituras obrigatórias e com o próprio enunciado da prova. Além disso, considerando que a proposta de redação exigia relatos pessoais, tomei a liberdade de contar sobre minhas experiências com a peça que, para além do roteiro, me acrescentaram muito.
Em relação ao conhecimento de termos teatrais, gostaria de falar sobre a peça infantil Como me tornei vilão, que montamos no NAVIB, em 2017. O roteiro apresentava criaturas diferentes que conviviam em uma floresta. Para a montagem do cenário, o grupo utilizou apenas mancebos coloridos para representarem árvores, ou seja, fez com que um elemento se passasse por outro. Ao ler os textos exigidos para a realização do vestibular, aprendi que um objeto cênico pode ser chamado de “significante”, na medida em que, dependendo da performance, teria diferentes “significados”. Assim, um guarda-chuva (significante), por exemplo, pode ser colocado em cena como uma bengala ou até mesmo representar uma espingarda (significados), o que é, basicamente, o que o NAVIB fez com os mancebos. Dessa forma, seria mais difícil compreender as leituras obrigatórias se não fossem as referências que ganhei no teatro.
Como este, acima de tudo, é um texto de agradecimento, não poderia deixar de falar dos alunos do NAVIB e do Rachel Guevara, dos auxiliares e do professor de ambos os grupos, Rafael Masini. O Rafael, apesar de divertido, é um professor sério e exigente. Ele sempre fez questão de apresentar aos alunos propostas desafiadoras para, depois, apontar e corrigir erros. Assim, pudemos crescer, de fato, cenicamente. Não lhe faltava sinceridade no momento da montagem de cenas, fazendo com que houvesse uma atenção e um cuidado geral para cada detalhe. Além disso, aprendi com ele que não há momento para parar de aprender. No teatro do Gracinha, temos o costume de apresentar as peças mais de uma vez, o que significa que, mesmo depois do último ensaio geral, ainda podíamos conversar e aprimorar detalhes entre uma apresentação e outra. Assim, estando nos 45 minutos do segundo tempo, ainda tínhamos tempo para crescer.
A oferta de diferentes oportunidades aos alunos também me ajudou consideravelmente. Tive a chance, como parte do NAVIB, de apresentar peças em muitos lugares, até mesmo na Casa das Rosas. Dessa forma, tive que me adaptar a espaços diversos para as apresentações, algo que enfrentei na prova da USP. Outra experiência importante aconteceu quando fui convidada para dirigir algumas das cenas do grupo de teatro do Ensino Fundamental II, assumindo o papel de auxiliar. A vivência foi enriquecedora, experimentei algo muito diferente do que já havia feito, além de poder trabalhar com pessoas com as quais nunca havia interagido antes.
A capacidade de realizar propostas em grupo é, sem dúvida alguma, um dos principais testes da prova prática. Ouso dizer que não há nenhum aluno que tenha feito para valer o teatro que não tenha experiência para trabalhar em conjunto. Os jogos teatrais propostos tinham, em sua maioria, um caráter coletivo para que nós, enfim, entendêssemos que o resultado final das apresentações estava muito mais ligado à palavra “grupo” do que à palavra “eu”. Com isso, a preocupação com o desempenho dos colegas era fortemente incentivada, gerando uma teia de auxílio entre os alunos. Eu não poderia estar em melhor companhia. Me vi, nesses três últimos anos, ao lado de pessoas dedicadas, cuidadosas e cheias de vontade que, com certeza, farão muita falta.
Gostaria de encerrar este texto falando dos ex-alunos, até porque, agora, eu também sou uma. É visível a influência do Rachel Guevara e do NAVIB na vida dos alunos já formados, e não é à toa que muitos seguiram para as Artes Cênicas. Alguns já voltaram para o Gracinha como auxiliares, fazendo parte importante da minha trajetória no teatro. Para fazer a prova de habilidades específicas, conversei com uma ex-aluna, veterana da ECA, que me ajudou muito com o processo. Assim como eu, ela conheceu na escola uma paixão de vida e um futuro. Nós, alunos e formados, passamos por experiências que ficarão tatuadas nas memórias independentemente dos caminhos que seguiremos. É por isso que faço das palavras de Marina Meyer as minhas: “Quando lembro da Fuvest, divido em duas partes: a prova geral e a específica. Não só pelos conteúdos, mas pelos sentimentos envolvidos. Na prova especifica, durante três dias, lembro de fazer teatro. Com pessoas que não conhecia, professores que eram avaliadores, referências acadêmicas intelectuais. Na prática, estava lidando com pessoas, escutando e sendo escutada e sempre tentando me divertir. A pressão estava lá junto com o nervosismo, mas a experiência também. A experiência de já ter feito isso antes. Olha só como ela anda, passo a passo, kung fu panda. Merda!”.